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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Sobre relações abusivas - Parte 01 - Encaixotando Helena

Então eu escrevi no Facebook que estava estudando sobre relações abusivas. E pedi opiniões, sugestões, relatos. Me vieram histórias tão verdadeiras e doloridas, que percebi que um texto não vai encerrar o assunto. Serão necessários alguns textos, então a partir de hoje abro o diálogo sobre esse assunto aqui. 
A primeira coisa importante é: toda relação pode ter momentos de abuso. De ambas as partes. Ninguém é 100% equilibrado, ou totalmente bem resolvido na vida. A gente as vezes fica inseguro, chuta o pau da barraca, diz o que não deve, escuta além da conta. Nessas horas, o diálogo é essencial para que a relação volte a ser boa. Toda relação envolve algumas negociações, a gente precisa comunicar até onde aceita e permite, e a partir de onde não dá mais. Isso não é exclusividade de uma relação afetiva, mas também pode referir-se ao campo profissional, social, amizades. É questão de maturidade aceitar os limites alheios e comunicar claramente os nossos próprios. 
Mas... numa relação abusiva, uma das partes não reconhece nem respeita os limites do outro, e a outra parte não pode/consegue comunicar seus limites. E isso é sistemático, ou seja, acontece num círculo vicioso. Os motivos são os mais variados, e por isso eu gostaria de lançar um olhar mais atento a partir de hoje. Uma relação abusiva pode te tirar completamente do foco profissional. Pode te afastar de todos os seus amigos. Pode te impedir de aprender coisas novas. Porque a luta pela sobrevivência emocional passa a ser exaustiva demais, a gente pode muitas vezes não dar conta. 
Li muitos textos na Internet que me foram recomendados sobre relações abusivas. Procurei perceber o que todos eles tinham em comum, juntamente com os relatos pessoais que recebi entre minhas mensagens. Algumas percepções iniciais:
1- Relações abusivas não são exclusividade de relacionamentos hetero.
2- Existe sempre uma forte relação de dependência dentro da relação. Existe alguém que sempre domina, alguém que é subjugado. Mas, ainda que pareça absolutamente óbvio para o observador de fora quem é quem, entre os protagonistas isso não parece assim tão claro. E é essencial ter sensibilidade de entender essa dinâmica se quisermos ajudar alguém preso numa relação dessa. 
3- Já viram um filme chamado "Encaixotando Helena"? Esse filme (assisti ainda na adolescência) mostra muito a confusão de sentimento, não raro imaginado como "amor" que na verdade é o desejo da redução do outro até a aniquilação. Eroticamente, muitas vezes compara-se o sexo ao desejo de "comer". A relação abusiva leva isso ao extremo: mastiga-se o outro, absorve-se o outro, até que esse outro não exista mais fora de mim. Do outro lado, temos alguém que sente-se devorar, está cercado por todos os lados e de todas as formas. Perde-se entre o desejo de ser livre e o conforto (sim, conforto) de ter uma atenção extrema como nunca experimentou.  A sensação de quem está dentro de uma relação abusiva parece ser: Eu preciso dessa pessoa. Não estou feliz, mas tenho necessidade dele. Mais ou menos a mesma lógica de um vício.
Mas pera! Comparar a pessoa abusada a um viciado não é culpabilizar a vítima?
Chegamos em outra palavra-chave de uma relação abusiva: culpa. 
A culpa sustenta esse tipo de relação, sendo jogada o tempo todo de um lado para o outro. Se olharmos a coisa sob o ângulo da responsabilidade, creio que muda o modo de olhar. Porque nesse caso sim, as duas partes são responsáveis pela dinâmica doente da relação. Ora, se dizemos a uma das partes que ela não tem nenhuma responsabilidade sobre essa dinâmica, estaremos reduzindo essa pessoa a uma criança, de alguma forma abusando dela mais uma vez, enxergando-a como alguém que não é capaz, não terá condições de tomar atitudes, a estaremos vendo como a princesa presa na torre que ficará lá até que algum príncipe de conto de fadas venha salvá-la do apuro. 
SPOILER: O príncipe não virá. E a força para sair terá que vir de dentro mesmo, ainda que com muito apoio dos amigos. 
Mas os amigos precisam lembrar que essa pessoa, no momento em que está presa numa relação abusiva, encontra-se dependente, viciada e duvida fortemente de si mesma, uma vez que alienou-se da própria consciência, e precisa até mesmo reconstruir a autoimagem. 
Falaremos mais sobre isso na próxima terça ;)
Enquanto isso, fiquem a vontade pra comentar e inclusive discordar de mim. Essas reflexões compartilhadas não são de forma alguma a única verdade possível. 

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Ótimo texto, Thais. Fico pensando... nessa história toda o afeto, o olhar do outro se torna um objeto de desejo tão caro.

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