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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ACORDA, NEGA! por Cris Couto

COISAS DA CAIXA PRETA

O trabalho do professor em sala de aula é comparável a uma caixa preta de avião. Só quem está no voo sabe o que acontece.

O que me incomoda mesmo é perceber que as coisas mudam muito lentamente. Estudei em escola democrática pós 85. Isso é uma coisa.

Meus professores foram formados pela escola da ditadura e faziam largo uso de práticas transmissivas o ensino. Isso é outra coisa.

Minha formação docente foi durante dos debates LDB 9.394/96, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, do ensino por competências e habilidades. Ok, eu vi a teoria.

Palavras ensinam, mas exemplos arrastam.

Isso quer dizer que o ensino transmissivo ainda é enfatizado na escola que trabalho e fico me policiado para não reproduzir as práticas que me formaram. Ou seja, não posso lembrar do que meus professores faziam, só das teorias estudadas.

Preciso ficar o tempo todo me policiando, revisando minhas práticas e estando disposta a refazer percursos.

Professores dessa geração precisam ter garra e disposição. As teorias estão aí, mas as novas práticas ainda precisam ter seu lugar no cotidiano escolar.

Cris Couto, 30/11/2016


Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora. 
Publico no blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feira
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terça-feira, 29 de novembro de 2016

Sobre a ilusão de controle

Se eu estiver vigiando, ela não vai me trair.
Se eu me cuidar e for legal, ela vai me amar.
Se eu tiver caráter, ela não vai me acusar.
Se eu chegar na hora, ela não vai ter motivo pra reclamar.
Se eu emagrecer e me vestir como ele gosta, ele vai sentir desejo por mim.
Se eu ficar bem boazinha e nunca reclamar, ele não vai me bater.
Nós sempre achamos que está sob nosso controle. Mas o outro existe. O outro vê a si mesmo. O outro sente de acordo com quem ele é, baseia-se nas próprias experiências.
Algumas vezes sofri por achar que amava e não ser correspondida. E eu sempre achava que isso não aconteceria se eu fosse melhor (mais bonita, ou mais atrevida, ou mais alegre, etc, etc) E houve uma vez que eu pensava ter amado tudo o que podia, até me esvaziar. Aparentemente me transformei no ser que eu gostaria de ser, imaginei que morreria de amor se encontrasse alguém igual a mim mesma, que tivesse a coragem de entrega que eu tive, que pulasse sem garantia dizendo SIM mesmo que fosse para se esborrachar num abismo... Naquela ocasião, ao ter mais uma vez o meu “amor” não correspondido, (faço questão de escrever entre aspas, porque hoje penso que esses amores eram qualquer ilusão muito louca), eu pensei onde poderia ser melhor, o que poderia ter feito melhor, onde poderia ter resgatado.
Um dia, aliviada, eu me dei conta. Eu não poderia.
Aquilo não era sobre mim. Eu me colocava como coadjuvante em histórias alheias, e o enredo era todo do outro. Sempre. Não havia nada que eu pudesse ter feito melhor, ou diferente, ou mais sensatamente. A história ficou completa quando eu percebi que estava tudo terminado, e eu não poderia ter feito nada para ser diferente, porque nada nunca tinha estado na minha mão, nem sob meu controle.

Hoje penso que maturidade passa por assumir inteiramente o que nos pertence. Mas, ao mesmo tempo, entender o que é do outro e respeitar o protagonismo alheio. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Precisamos falar sobre a hora de dar tchau.

O ano de 2016 foi um ano muito tenso e muito intenso que ainda nem acabou. Um ano de saber verdades sobre as pessoas à nossa volta; um ano dolorido, de confrontos com tudo aquilo que ignoramos intencionalmente ou não. 
Eu me lembro que no ano passado comentei com uma amiga que 2016 seria o ano de cair as mascaras, de saber verdades. E eu estava certa!
Agora, avaliando com calma, vejo quanta gente ficou pelo caminho; gente que eu amava muito, considerava muito, gente que se aproximou e foi de novo e gente que "já foi tarde". 
Mas o ano difícil e dolorido limpou os sentimentos que não eram de verdade.
Por um tempo eu sofri. Me apego aos que amo verdadeiramente, quero saber, ajudar, estar junto (e isso é algo que preciso melhorar em mim), então ver essas pessoas se distanciarem foi muito complicado. Por sorte, nada é mero acaso e os que ficaram valem a pena.
O recado de hoje é sobre aprender deixar ir quem não quer ficar e consequentemente não soma mais em nossas vidas. Declarações de amor e amizade podem ser apenas palavras vazias, produtos de corações que não sabem ser recíprocos. 
Portanto, aprenda a desapegar-se.
Sempre haverá a hora de "dar tchau" e é preciso ter bons olhos quando a vida responde à oração "livrai-nos do mal, amém".

Beijos azuis.


Escrito por Mariah Alcântara
Publicado originalmente no Blog Flor do dia: Coletivo do Bonde
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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Quando não nos cabe!

Uma hora as coisas mudam.
Tudo muda de lugar o tempo todo, mas não percebemos a todo tempo. Então chega um momento que os acontecimentos externos te obrigam a mudar também, de atitude, de casa, de emprego e tantas outras mudanças...
Uma hora aquela roupa que tanto gostamos não serve mais e mesmo com a sensação tão recente de conforto que ela traz, ela não serve mais, não cabe. Não foi de repente, foi dia a dia, você cresceu e nem percebeu e a roupa não te serve mais. Mesmo assim a mantemos no guarda roupa, quem sabe ela volte a servir uma dia...
A verdade é que não voltará a servir nunca mais, você cresceu, precisa de outras que te sirvam melhor, que combinem com seu momento, que realizem um encontro com você e se insistir em ficar com o que não serve o espaço estará preenchido por algo que no fundo não lhe pertence mais, mas que fez questão de ficar preso a isso.
Então, aquilo que parecia tão confortável começa a se tornar um peso, desnecessário, incômodo, que não será mais utilizado, que trará boas lembranças, mas que naquele momento nem é possível recordar. A tendência é querer se livrar o quanto antes...
O problema em ter algo que não serve mais é o peso que traz, já que leveza é uma escolha. É preciso entender por dentro o que cabe ainda e o que não cabe mais, o que cabe, mas não queremos também, porque não querer é um motivo muito válido.
Não querer nem sempre é rejeição, muitas vezes é entender que não nos cabe.

Por Renata

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

ACORDA, NEGA! por Cris Couto

Fuga musical

Mandar para alguém uma letra de música ou uma parte comum da letra é bem comum. No geral, fazemos isso para dizer a alguém aquilo que não conseguimos dizer com nossas palavras. Um escudo: usar a palavra do outro em sua beleza, poeticidade e autoridade. Se a comunicação falhar, é por que não era bem aquele trecho da música, ou porque o refrão tinha duplo sentido. Garantias de face preservada.

As novas tecnologias já nos protegem do contato face a face. A música vai por mensagem, quando não vai apenas o link pela mensagem. Quantas vezes leio a letra ou sigo o link e fico polindo minha bola de cristal para adivinhar se devo considerar a letra inteira da música como mensagem. Será que é só um trecho? Se eu focar na estrofe errado isso poderá ser a paz ou a guerra. São tantos subentendidos que cercam mensagens de amor e vida que fogem numa pretensa e nublada comunicação.

Esquiva do olho no olho. As pessoas evitam sustentar na própria face o seu dizer. Não tenho olhos para dizer que amo? Não tenho boca para dizer que errei? Essa é uma maneira bastante poética de nos poupar de sentir, viver e responder frente ao outro pelos gestos e desejos que motivam nossas escolhas na vida.

Cris Couto, 21/11/2016

Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora. 
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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ainda na onda do "Sem querer"

Com certeza você já ouviu alguém dizer: "Não sou grosso, só trato as pessoas do jeito que me tratam". Ou então: "Minha educação depende da sua".
Sempre que ouço esse tipo de colocação, tenho vontade de perguntar: "E você, quem é?"
Porque se só reagimos ao que o mundo nos traz, estamos ao sabor das ondas. É como se não tivéssemos vontade, nem decisão alguma. Então, se eu não decido meus próprios caminhos, o que quer me aconteça é pura obra do acaso?
Conheci uma moça que, quando criança, era obrigada a comer chuchu. Conta ela que vez após vez, ela dizia para a mãe que não gostava de chuchu. Um dia a mãe perdeu a paciência e perguntou: "Você sabe que vai ter que comer, por quê sempre tem que dizer que não gosta?" Criança ainda ela já foi capaz de dizer: "Porque se eu sou obrigada a comer, pelo menos tenho o direito de continuar dizendo que não gosto".
A gente esquece esse pedaço. A gente acaba se acostumando, e de repente até pensa que gosta de determinadas coisas, se não aprende e não permite a própria voz.
É preciso que tenhamos voz, e não renunciemos a ela. Pra não se ferrar "sem querer".
A gente pode tomar qualquer decisão na vida. Mas que seja querendo. E eu estava aqui pensando que minhas amigas mais próximas tem isso em comum: elas choram, sofrem, gargalham, vivem... tudo QUERENDO. Sabe aquela história de "descubra quem você é e seja de propósito?' Bem isso.
A decisão não é do outro. É nossa. Que nós possamos ser quem queremos. Mas sobretudo que aprendamos a querer, profundamente, quem nós somos. Porque valemos a pena.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Precisamos falar sobre o "foi sem querer".

Há dias venho incomodada com essa coisa de dizer sem querer, de que eu critico você, mas faço igual, mas foi sem querer. Temos hábitos tão fortes, tão enraizados que nem notamos quando cometemos o erro que criticamos no outro.
Pode ser que seja, apenas, meu momento de silenciar. Mas ando incomodada!
Ora, sou boa com labia, e vejo as pessoas usando toda a sua labia para convencer as outras (a mim também) que não é bem aquilo, que não foi intencional.
Deixa eu tentar me fazer mais clara, sabe quando você vai lá na amiga e diz algo que sabe que vai afetá-la de algum modo? Você pode até dizer que "não tinha intenção", mas se você sabia que aquele era um ponto sensível, como é que foi tão sem querer assim?
Quando a gente diz algo e alguém se sente incomodado com aquilo, é habito dizer "se a carapuça serviu, vista",  então, como poderia mesmo ser 'sem querer' se não faz a menor diferença se quem esta se sentindo tocado pelo que foi dito é alguém que não tem nada a ver com o fato?
Entende que essa coisa de fazer ou dizer algo de forma inconsciente, pode não ser tão inconsciente assim?
Então, caros amigos, acho que esta na hora de fazer uma analise profunda sobre si mesmo, e observar o que não é tão inconsciente afinal e mudar a forma das coisas.

Beijos azuis


Escrito por Mariah Alcântara
Publicado originalmente no Blog Flor do dia: Coletivo do Bonde
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Sabe aquele palestrante brilhante?

Eu prometi aquecer suas sextas e aqui estou. É preciso espairecer, reciclar-se e, acreditem, eu sou humana e, as vezes, não dou conta mesmo.

Mas vamos lá, eu queria conversar com você sobre um fato curioso que me ocorreu.
Estava eu, vendo um vídeo sobre racismo institucional e achei muito digno (se for do seu interesse dê uma olhada aqui.); e lembrei de uma conversa que tive essa semana, a qual o assunto era sobre determinada palestras que andei participando esses dias.

E conversa vai conversa vem, e a pessoa me pergunta sabe o nome 'daquele Indiano'? E eu fiquei questionando, "mas que Indiano? Havia um Indiano, lá? Eu não lembro!"
Será que não prestei atenção, será que fui ao banheiro e foi tão rápido, assim, o tema tratado?
(Juro que fui rápido, não fui para aquele chamado demorado da natureza! rsrs)
Enfim a conversa continua, e a pessoa diz "então, ele falou sobre  aquele tema e mostrou tal coisa."
Foi então que eu lembrei de quem se tratava e sim era um 'Indiano', ele tem características de pessoas Indianas.
Você deve estar se perguntando  "Tá e daí? Qual era o assunto afinal? Era o Indiano de ´The Big Bang Theory?  Não. Só pode ser aquele do filme Quem quer ser um milionário"; ou sei lá que série ou filme, que tenham Indianos, vocês assistem . E, acreditem, eu lembro destes por que enfatiza - se muito sobre a origem destes personagens no seriado e filme.

O que eu quero dizer é que a nossa sociedade pode dizer - se não racista, não preconceituosa; mas se, em uma palestra interessantíssima, a pessoa que gostou tanto não lembra o nome do ilustre palestrante, porém sabe dizer que ele é Indiano (E, não me lembro de ele ter mencionado onde nasceu), é grave!
Sei que você vai me chamar de exagerada, mas aqueça sua mente com essa reflexão:
(Me orgulhei de não ter reparado nisso pela primeira vez, eu acho.)
Eu respondi que não sabia o nome, 'mas deem um desconto' sou surda, posso ter perdido essa parte ou, maravilhada com tanta coisa fascinante dita, guardei o que iria me servir e fiquei grata por ouvir o resto. E se fosse um Negr@? Talvez a pessoa ficaria receosa de dizer a palavra Negr@ e falaria até a cor das roupas intimas, mas não esta palavra. Às Vezes é necessário escrever Negr@ com 'N' maiúsculo, como quando se escreve Deus para as pessoas saberem que estamos falando de uma divindade e que não se usa esse nome em vão. É preciso esclarecer que se a fala é sobre a etnia, não é pejorativo.
E quando é um(a) branc@?
Procura -se características peculiares da pessoa "aquelx ruiv@, aquelx de nariz grande, aquelx que falou ´tamo junto´ aquele Gordo, aquele que parece Gay.  Quando se trata de gay, o "parece"  é meio irônico e meio torcendo pra estar errado.
Mas a porra de um nome, função, equipe que trabalha, empresa. Isso não sabemos dizer!
E eu disse SABEMOS, porquê sim, eu cometo essa gafe e estou refletindo sobre isso.
E, por favor, desculpem me o palavrão, mas já comecei dizendo que sim, eu sou ´umana´E, caso não tenha entendido errei de propósito, apenas na grafia, na vida é sem querer ou por falta de refletir!

Então vamos à reflexão: Se você pode dizer indiano, japonês, alemão; você pode dizer NEGR@.
Não é pejorativo. É parte da identidade étnica!

_Keila Almeida_





terça-feira, 15 de novembro de 2016

Trecho do filme: As horas

Virginia sentada na estação de trem, ele chega correndo.
Virginia: Sr. Wolf, que surpresa agradável.
Leonard: Talvez possa me dizer exatamente aonde pensa que vai.
Virgínia: O que eu fiz?
Leonard: Fui te procurar. Não te achei.
Virginia: Você estava no jardim. Não quis incomodar.
Leonard: Me incomoda quando você desaparece.
Virginia: Eu não desapareci! Fui caminhar.
Leonard: Caminhar? É só isso, uma caminhada? (Virgínia suspira cansada). Temos que voltar pra casa. Nelly está fazendo o jantar. Ela já teve um dia difícil. É nossa obrigação comer a comida da Nelly.
Virginia: Não existe tal obrigação. Não existe NENHUMA obrigação!
Leonard: Você tem obrigação com sua lucidez.
Virginia: Não agüento mais essa prisão! Não agüento mais essa opressão!
Leonard: (Repreendendo) Virgínia!
Virgínia: Sou cuidada por médicos em todo lugar! Sou cuidada por médicos que me informam os meus próprios interesses.
Leonard: Eles sabem dos seus interesses.
Virgínia: Não sabem! Eles não podem decidir o que me interessa.
Leonard: Virgínia, imagino que seja difícil pra uma mulher do seu...
Virgínia (interrompendo): Do quê? Do meu o quê, exatamente?
Leonard: Talento perceber que talvez não seja a melhor pessoa pra julgar sua própria condição.
Virgínia: Então quem é a melhor pessoa?
Leonard: (Gritando) Você tem um histórico! (Pausa) Você tem um histórico de reclusão. Te trouxemos pra cá pelo seu histórico de angústia, mau humor, desmaios, por ouvir vozes... Te trouxemos aqui pra te salvar do mal que faz a si mesma. (Pausa) Você tentou se matar duas vezes! Eu vivo diariamente sob essa ameaça. Eu montei a gráfica, nós montamos a gráfica não só pelo trabalho, não totalmente pelo trabalho, mas para que você tivesse um meio seguro de concentração e cura.
Virginia: Como bordado?
Leonard: (Gritando) Foi feito pra você! Foi feito para sua melhoria! Foi feito do nosso amor! (Pausa) Se não te conhecesse melhor, acharia ingratidão sua.
Virgínia: Eu sou ingrata? Está me chamando de ingrata? Minha vida foi roubada de mim. Vivo numa cidade que não desejoviver. Vivo uma vida que não desejo viver. Como isso foi acontecer? (Senta-se) Está na hora de voltar pra Londres. Sinto falta de Londres. Sinto falta da vida de Londres.
 Leonard: Essa não é você falando, Virginia. Esse é um sintoma da sua doença.
Virgínia: Sou eu.
Leonard: Não é você.
Virgínia: É a minha voz.
Leonard: Não é sua voz.
Virgínia: É minha e só minha.
Leonard: É a voz que você escuta.
Virgínia: (Gritando) Não é, é a minha. Estou morrendo, virando pedra nessa cidade.
Leonard: Se estivesse em condições de pensar, Virginia... lembraria que foi Londres que te deixou deprimida.
Virgínia: Se estivesse em condições de pensar? Se estivesse em condições de pensar?
Leonard: Te trouxemos pra cá para te trazer paz.
Virgínia:  Se estivesse em condições de pensar, eu te diria que eu luto sozinha e no escuro. No escuro profundo. E só eu sei, só eu posso entender minha própria condição. (PAUSA) Eu gostaria, para o seu próprio bem, que eu pudesse ser feliz nesse marasmo. Mas se for pra escolher entre esse lugar e a morte, eu escolho morrer.
Leonard: (Pensando) Muito bem. Londres então. Voltamos pra Londres.
Silêncio e os dois se olham.
Leonard: Está com fome? Eu estou com fome.
Virgínia: Vamos. (Levantam e vão caminhando até a saída) Não se pode encontrar  paz evitando a vida.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Tudo que assombra


De todas as vezes que ouvi falar em fantasmas, a maioria delas se referiam a espiritos ou almas penadas. Mas, ao meu ver existem outros tipos de fantasmas...
Quando crianças o fantasmas sempre apareciam no escuro, na verdade o medo do escuro acontece por não poder ver nada além dele, perder a dimensão do espaço ao redor e a visão do que nos parece palpável... Já tive medo do escuro, mas o meu maior fantasma naquela época estava por perto durante o dia...
Então vêm a adolescência, que não deixa de ser um fantasma, mas que não aparece apenas no escuro. Esse vive anos a fio, mudando tudo e trazendo uma legião deles. Transforma, faz chorar e traz um fantasma específico que fala no ouvido incansávelmente: você é bem "grandinho" para sentir medo! 
Chego a acreditar que esse fantasma é o mais medroso de todos e que fala para tentar se autoarfirmar como corajoso e assim, se enganar anos e anos...
Nesse período os fantasmas têm bastante poder pelo simples fato do medo de rejeição, então muitas vezes acontece a prática de tantas coisas para se adequar ao grupo. Se a rejeição vêm desde a infância isso agrava o medo na adolescência...Então, a vida adulta chega e ao contrário do que muitos acreditam, os fantasmas permanecem lá, as vezes com o poder de voz menor, outros, com tanto poder que são capazes de enlouquecer, de levar ao suicídio ou uma vida triste e sem sentido...
Os fantasmas da vida adulta são mais diretos e trazem muito de toda vida já vivida até ali...Eles podem vir no término de uma relação, no barulho da chuva caindo na roupa lá fora. Podem vir simplesmente por ter a certeza de que agora não há a cama dos pais para acalmar o medo. Mas, não havia antes também, não será diferente. Apenas!...Podem vir de tudo que poderia ter ser e não foi
E falar sobre medo, ameniza-o, quebra os tabus e faz perceber de que é tão comum, que não há solidão no sentir, mas pode existir solidão no assumir. Por que assumir o medo não é ser covarde. É preciso reconhecer os motivos que causam o medo, assim e, somente assim, é possível acolher esse medo, cuidar, procurar ajuda para tratá-lo...é preciso coragem para assumir que há medo e que vez em quando os fantasmas saem dos calabouços do castelo de nossa mente e  fazem muito bem o seu papel.


Por: Renata

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Falando sobre vida adulta

Quando somos pequenos, todas as nossas ações tem a ver com os nossos pais. Se minha mãe não deixa eu sair de casa, eu não saio. Eu me lembro que, na minha infância, o terreno onde morávamos nem tinha portão. Uma menina da vizinhança veio me chamar pra brincar lá fora. Eu não queria ir. Então respondi: “a minha mãe não deixa”. A menina insistiu, eu repeti que minha mãe não deixava. Ela perguntou onde estava a minha mãe. Eu respondi que dentro de casa. Ela: “então vamos, sua mãe não tá vendo”. Eu, muito séria, respondi: “minha mãe não tá vendo, mas Deus tá”.
Faz parte da infância a sensação de segurança por estarmos sendo direcionados. Se minha mãe deixa, eu estou devidamente autorizada. Caso contrário, não faço. Na adolescência, preferia insistir até ela dizer que deixa. E eu não sabia na época, mas era minha forma de me sentir segura com as decisões que eu ainda não dava conta completamente de tomar.
Minha mãe morreu. Meu pai morreu. Estou por mim.
E agora? O que é que eu “deixo?” O que permito a mim? A maior parte das pessoas que eu conheço nunca toma decisões. Ou as evita o máximo que dá. Não larga o emprego que não gosta, porque tem muitas contas pra pagar. Não tem escolha. Não larga a pessoa que já não ama porque tem uma história de longa data, e/ou filhos que supostamente dependem dessa relação. Não tem escolha. Não faz o que realmente quer porque não tem dinheiro. Ou tempo. Não tem escolha. 
É confortável não ter escolha. Quem não tem escolha, não é responsável. Vive ao sabor das fatalidades que lhe acontecem.
Acho que a lição mais importante do mundo adulto é essa: A gente tem escolha. Sempre. Perceber, identificar as escolhas nos permite o protagonismo. Jesus já dizia: “Ninguém tira a minha vida. EU DOU”.

Sair da voz passiva. Entrar na voz ativa. Assumir a decisão. Aprender a dizer NÃO. Posicionar-se. Coisa de quem tem coragem. Coisa de quem confia em si mesmo pra bancar o preço. Coisa de quem tem brilho nos olhos. Gente preciosa os adultos que deram conta de crescer. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Precisamos falar sobre lições da vida.


Nesse último final de semana minha mãe esteve internada para uma cirurgia (por sua vez muito bem feita e com sucesso total). Eu fui sua acompanhante no hospital nos dois dias em que esteve lá.
A cirurgia foi na sexta de manhã e na sexta a tarde entrei de mala e cuia para ficar com ela o tempo que fosse necessário. No quarto compartilhado por 4 pessoas, apenas minha mãe tinha acompanhante por ter mais de 60 anos.
Eu, eterna observadora da vida, tive naqueles dois dias grandes lições que vou levar para sempre. 
No primeiro leito havia uma senhora que tinha umas feridas nos pés que a impediam de andar normalmente e que lhe doíam absurdamente.
No outro leito havia uma moça que tinha operado vesícula, era animada e independente, e mesmo sentido dor não perdia o bom humor.
No terceiro leito havia outra moça que tivera uma trombose, parecia animada e simpática num primeiro momento, mas depois ficou calada e aborrecida,
Lições:
1 - No dia da internação, único dia em que minha mãe ficaria sozinha, umas das enfermeiras e uma das estagiarias, fizeram o melhor acolhimento possível. Simpáticas, transbordando cortesia e amor pelo que fazem, deixaram minha mãe confiante e a vontade, assim como a todos da família. Fui pra casa, com a certeza de que fazer o que se ama é a maior recompensa de todas!
2 - Quando aprendemos a nos virar, isso fica automático. A moça que operou a vesícula, mesmo com dor absurda, não deixava de conversar alegremente e a fazer bons comentários de tudo o que lhe acontecia, não pedia nada a ninguém e por vezes precisava que fosse lembrada que estava operada. Trocou informação, receitas e email. saiu no dia seguinte a sua cirurgia com total bem estar. A Alegria é contagiante e curativa!
3 - Entender o limite, a saudade do outro é importante, quando a moça falante emudeceu todos queriam saber o que ela tinha. Ao ajuda-la em determinado momento, eu lhe disse que a vida nos dá momentos para pensar, mesmo quando não queremos. E isso não é bom nem ruim, estar chateada é um direito que nos assiste. Ela com os olhos marejados me disse "obrigada por me ver". Empatia é receita de boa vida!
E agora a lição que foi dada diretamente a mim.
A senhora do pés feridos teve imensa resistência a mim, me olhava torto e, não raro, fazia cara de nojo. Eu, acostumada a esse olhar, nada disse. Bem sei que naquela idade, junto com sua vertente religiosa, somado a minha aparência, eu lhe causariam repulsa. 
Eu mulher gorda, tatuada, cabelo curto, lateral raspada mão de 3 filhos, sem marido... definitivamente não lhe proporcionava visão agradável.
Minha mãe ficou aborrecida quando notou, era sua cria, natural que ela se zangue. Mas lhe pedi que não dissesse nada, que desconsiderasse. Ora, se estou acostumada a esse olhar reprovador e a essa régua que me mede desde dentro da minha casa, o que representa o olhar externo?? Nada!!!
Não me abstive de ajudar a senhora. 
Quando precisava ir ao banheiro, quando queria água, quando chamava as enfermeiras... na sexta ela sequer respondeu as minhas ofertas de ajuda. No sábado por um tempo, recusava todas. E ela era a mais necessitada, reclamava muito de dor e de fato não me lembro dela ter tido um momento de gratidão, exceto quando recebeu a visita de uma rapaz a quem ela demonstrou amar muito.
No sábado à noite, sua dor era imensa, ela só gemia e pedia auxilio.Fui diversas vezes chamar os enfermeiros, a amparei em todos os momentos que precisou levantar, ou o que quer que necessitasse fazer.
Nesse ponto da leitura, você pode se perguntar o motivo de eu ajudar alguém que nitidamente me desprezava. Alguns vão achar que sou idiota ( talvez tenham razão...), outros que eu quero aparecer e por isso estou contando... concluam por si.
No domingo de manhã, ela sentia menos dor, me solicitou quando precisou, me ofereceu sua salada do almoço, e quando fui embora e me despedi dela, ela me abraçou, me beijou e me disse o quão grata ficara com minha disponibilidade, e que ela esperava que mesmo sem a boa vontade alheia (creio que falava de si) eu nunca deixasse de ser como era.
E foi exatamente por isso, caro leitor, que eu insisti em ajuda-la!
Se passo por essa vida e não faço nada pelo outro, não sou um ser humano. Se julgo as realidades que não conheço, faço exatamente aquilo que me fere todos os dia. E me torno igual em falta de humanidade. Se passo pela vida sem deixar um traço de amor, não preciso viver. Pois se sou oca, não faço diferença para o mundo.
E podemos ser mais que isso! Devemos ser mais que isso! 
Não são questões religiosas, mas sim morais, são questões humanas. 
Eu podia ser menos, mas escolhi ser mais.
Eu, mulher, gorda, periférica, tatuada, desempregada, decidi deixar amor e respeito por onde passo!
Esse é o meu traço, indelével, pelo mundo.

Beijos azuis.

Em tempo:
É preciso agradecer à toda a equipe de funcionários do Hospital do Ipiranga, saúde publica de melhor  qualidade! Que vocês resistam, que sobrevivam a esse momento de crise e golpe. Obrigada por existirem!
É preciso agradecer às minhas parceiras voluntárias linda de viver: Bia Donato, Dani Luiz, Leticia Dias, elas me mandaram mensagens de apoio, amor e preocupação sobre o bem estar de mamãe. Às vezes a gente quer saber que alguém se importa, e vocês foram minha grate surpresa desses dias, Obrigada!!
Às amigas queridas que me acompanham sempre e estavam ali, se eu precisasse, Keila, Thais, Renata, Regis e Andressa.
Sempre, à Rita Iabrudi, que não me deixou sozinha nem por um segundo, mesmo estando há muitos km de distância; não tenho palavras pra agradecer sua percepção da minha sensibilidade nesses dias, e por fazer as perguntas que eu tanto precisava responder.


Escrito por Mariah Alcântara
Publicado originalmente no Blog Flor do dia: Coletivo do Bonde
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terça-feira, 1 de novembro de 2016

Até onde vamos?

"Na primeira noite eles se aproximam.
E roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada
Na segunda, já nem se escondem.
Pisam nossas flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa.
Rouba-nos a luz
e conhecendo nosso medo...
Arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."
(No caminho com Maiakovski)

Educação pública. Saúde pública. Direitos Humanos. Dignidade e direito à vida, especialmente dos que não tem condições de pagar duplamente o que já pagam em seus impostos.
Tudo isso está em jogo hoje.
Vamos defender?
O que dá pra fazer?