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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Relações abusivas - parte 02 - Os amigos

Hoje mais uma vez o assunto é relações abusivas. Estou chocada em como elas são normalizadas. São tão normalizadas que, nesse exato instante, você pode estar dentro de mais de uma sem saber. Por isso é tão difícil identificar uma relação excessivamente abusiva e sair dela. 
Como dissemos lá no primeiro texto (que você pode ler rolando a tela mais para baixo), toda relação eventualmente pode envolver momentos de abuso, onde no calor do momento uma parte ou a outra pode falar algo que não deve. Reconhecer onde isso extrapola e "passa dos limites" é o desafio. Os amigos tem papel importante nesse termômetro. 
Mas aí existe um problema. Porque numa relação verdadeiramente abusiva, a primeira coisa que o abusador faz é afastar a vítima dos amigos. E aí eu tenho um problema com essas nomenclaturas. Porque apesar de reconhecer claramente que sim, existe um abusador e existe uma vítima nesse tipo de relação, usar essas palavras me parece trazer uma visão maniqueísta que não ajuda na qualidade da discussão, porque, como eu disse anteriormente, parece desconsiderar a dinâmica de uma relação entre dois adultos e colocar a vítima na posição de princesinha presa da torre. Mas ainda estou elaborando uma forma melhor de pensar sobre isso, talvez vocês possam me ajudar. Vamos pensando sobre isso.
Os amigos tem um papel delicado diante de uma relação abusiva. Precisam tomar cuidado para que não caiam na armadilha de uma troca de tutela. Sua amiga está extremamente frágil. E estará mais frágil quanto maior for o tempo que estiver sofrendo o abuso. A autoestima dela está muito debilitada. Ela não tem força de reação. Tem muita dificuldade de acreditar em si mesma. Você olha pra ela e tem a sensação de que sozinha ela nunca vai conseguir sair do buraco que se enfiou. Ela se sente tão pequena que está com medo de tudo. Você se lembra da pessoa poderosa que você conheceu e mal reconhece. E aquilo te parece bem triste. Dizer "vem pra cá que eu cuido de você" é ilusão. Porque você não vai cuidar. Se você for alguém emocionalmente saudável, você não vai oferecer a dinâmica interdependente doente que esse outro oferece. 
Uma das perguntas que lancei no facebook foi: O que você gostaria que seus amigos soubessem?
As respostas me surpreenderam, porque muitas vieram na linha de: "queria que eles soubessem que eu precisei desse tempo". Imaginei logo que se tratasse de alguma síndrome de Estocolmo, visto que supostamente ninguém "precisa" sofrer abuso. Mas não era do abuso que precisavam. Era, me parece, do tempo da construção da resistência. Falarei mais sobre isso na semana que vem.
Por agora, voltando aos amigos: se você diz pra sua amiga: "Miga, esse cara tá te fazendo mal, te dou uma semana pra largar dele porque não aguento te ver desse jeito, se não largar dele tu não olha mais pra minha cara", só te digo uma coisa: ela conhece bem esse seu joguinho de manipulação, essa brincadeira de "só tem meu amor se você fizer o que eu acho que você tem que fazer" é exatamente o que o namorado abusador dela faz. E ele faz melhor que você. 
Então... Se você ama sua amiga... Respeita ela. Você pode fazer um pouco mais que isso. Vai te doer. Você vai ver ela se despedaçar e voltar pro cara algumas vezes, talvez. E, sim, você tem sim o direito de se afastar se não estiver dando conta. Na verdade eu ainda estou refletindo o que os amigos podem fazer pra ajudar. O que já entendi é que só a própria pessoa pode resolver. Os amigos só podem fortalecer o protagonista da história. Me parece que um bom caminho é estar perto, escutar a pessoa quando ela quiser falar, ter paciência com os desabafos e principalmente com os retrocessos (porque a pessoa num dia reconhecerá os abusos e no outro dia dirá que exagerou em tudo e que o namorado é a melhor pessoa que ela já encontrou na vida e que ela tem é sorte de estar com ele, mesmo que ela apanhe algumas vezes. E essa é a parte em que você, amiga, terá vontade de sacudir sua amiga, dar uma voadora nela e uns três tapas na cara, mas lembre-se: isso não é sobre você). Acredito (mas sempre posso estar errada) que sempre cabe marcar nossa posição) mas evitando fazendo o outro se sentir um imbecil, buscando uma comunicação não-violenta. Acredite: mesmo quando parece que ela não está escutando o que você diz, ela está. Então diga o que pensa. Tentando não agredi-la mais do que ela já está sendo agredida na relação abusiva que vive. Ela não precisa de julgamento, precisa de acolhida. Você pode dizer que não entende porque ela continua com aquele cara. Mas não esqueça de dizer que a ama assim mesmo. E que vai continuar amando. E que vai amar se ela resolver continuar com ele. E que vai amar se ela resolver deixá-lo. E que estará ao lado dela em qualquer decisão. E que ela não ficará sozinha. Isso importa muito mais do que parece. 
Até naqueles momentos em que ela chegar com a cara inchada e disser que bateu com a cara no armário ou caiu escada abaixo. Ela não precisa dizer diretamente. Mesmo assim, olhar firme nos olhos dela e dizer "estou com você, e te apoiarei se você tomar a decisão de fazer diferente" pode ser decisivo. 
Faça isso. Pode fazer diferença na vida das mulheres que te rodeiam. 
Na próxima semana, vamos conversar diretamente com quem vive a situação de abuso.

Um comentário:

  1. Quando estive em uma relação abusiva, eu não sabia que ela evoluiria em ciclos cada vez mais intensos e de curta duração. Soube depois que rompi, quando busquei ajuda. Não sei se saber disso me ajudaria a sair dela antes...

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