Acredito
que a afirmação “ninguém pode ser coagido a ser protegido contra a própria
vontade” de Maria Lúcia Karam[1] possa ser pensada em situações
em que um combinado prévio não é cumprido, o que poderia ocasionar a degradação
entre seres humanos por atitudes coercitivas. Por exemplo:
Combinado:
Vivemos em relacionamento monogâmico, sem traição.
Fato:
Fui traída.
Atitude
coercitiva: Brigo, chantageio e/ou maltrato minha namorada, pois ela me magoou
e não quero perdê-la. Na minha cabeça, penso “vou dar uma lição nela para que
ela nunca mais faça isso comigo e nem me faça sofrer mais”.
Atitude
ética: Termino o namoro e lido com meu sofrimento, afinal esse era o combinado
(traição = fim de namoro). Faço isso pois entendo que ela não é um objeto (que possa
ser meu ou perdido), mas uma pessoa que, ao meu lado, possibilitava a relação
amorosa que eu almejava para ser feliz.
Na prática,
na maioria das vezes, a relação é mantida com a quebra do combinado. Seria uma
margem de tolerância, caso o convívio não descambe para um ciclo de atitudes de
coerção e violência.
Entendendo que “ninguém pode ser coagido a ser
protegido contra a própria vontade”, deixo o convite de se partir para um novo relacionamento
(consigo mesmo ou outra pessoa) ou, se for amorosamente desejado pelo casal, dialogar
por combinado(s) que acolha(m) a dinâmica das vontades dos envolvidos.
Cris Couto,
12/04/2017
[1] Juíza aposentada
no Rio de Janeiro, membro da diretoria da Law Enforcement Against Prohibition
(LEAP) e presidente da Associação dos Agentes da Lei Contra a Proibição - LEAP
BRASIL). Maria Lúcia Karam emprega essa afirmação em sua crítica contra a
guerra às drogas. Segundo a juíza, o uso
de entorpecentes acontece pela própria vontade do indivíduo. Como não há uma
legalização das drogas no Brasil, os policiais agem como agentes de coerção da
vontade própria dos cidadãos. Em razão das mazelas históricas de nosso sistema
econômico, social e político, o Brasil é o terceiro país do mundo com maior
população carcerária (mais de 700 mil presos). De fato, os grandes traficantes
e fabricantes, de drogas não são presos. O que acontece: as cadeias incham com
usuários e vapores, que são pessoas em vulnerabilidade social (pobres e homens
e mulheres negros) e aguardam muito por tempo (meses, anos), encarcerados, o
seu julgamento.
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