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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Precisamos falar sobre lições da vida.


Nesse último final de semana minha mãe esteve internada para uma cirurgia (por sua vez muito bem feita e com sucesso total). Eu fui sua acompanhante no hospital nos dois dias em que esteve lá.
A cirurgia foi na sexta de manhã e na sexta a tarde entrei de mala e cuia para ficar com ela o tempo que fosse necessário. No quarto compartilhado por 4 pessoas, apenas minha mãe tinha acompanhante por ter mais de 60 anos.
Eu, eterna observadora da vida, tive naqueles dois dias grandes lições que vou levar para sempre. 
No primeiro leito havia uma senhora que tinha umas feridas nos pés que a impediam de andar normalmente e que lhe doíam absurdamente.
No outro leito havia uma moça que tinha operado vesícula, era animada e independente, e mesmo sentido dor não perdia o bom humor.
No terceiro leito havia outra moça que tivera uma trombose, parecia animada e simpática num primeiro momento, mas depois ficou calada e aborrecida,
Lições:
1 - No dia da internação, único dia em que minha mãe ficaria sozinha, umas das enfermeiras e uma das estagiarias, fizeram o melhor acolhimento possível. Simpáticas, transbordando cortesia e amor pelo que fazem, deixaram minha mãe confiante e a vontade, assim como a todos da família. Fui pra casa, com a certeza de que fazer o que se ama é a maior recompensa de todas!
2 - Quando aprendemos a nos virar, isso fica automático. A moça que operou a vesícula, mesmo com dor absurda, não deixava de conversar alegremente e a fazer bons comentários de tudo o que lhe acontecia, não pedia nada a ninguém e por vezes precisava que fosse lembrada que estava operada. Trocou informação, receitas e email. saiu no dia seguinte a sua cirurgia com total bem estar. A Alegria é contagiante e curativa!
3 - Entender o limite, a saudade do outro é importante, quando a moça falante emudeceu todos queriam saber o que ela tinha. Ao ajuda-la em determinado momento, eu lhe disse que a vida nos dá momentos para pensar, mesmo quando não queremos. E isso não é bom nem ruim, estar chateada é um direito que nos assiste. Ela com os olhos marejados me disse "obrigada por me ver". Empatia é receita de boa vida!
E agora a lição que foi dada diretamente a mim.
A senhora do pés feridos teve imensa resistência a mim, me olhava torto e, não raro, fazia cara de nojo. Eu, acostumada a esse olhar, nada disse. Bem sei que naquela idade, junto com sua vertente religiosa, somado a minha aparência, eu lhe causariam repulsa. 
Eu mulher gorda, tatuada, cabelo curto, lateral raspada mão de 3 filhos, sem marido... definitivamente não lhe proporcionava visão agradável.
Minha mãe ficou aborrecida quando notou, era sua cria, natural que ela se zangue. Mas lhe pedi que não dissesse nada, que desconsiderasse. Ora, se estou acostumada a esse olhar reprovador e a essa régua que me mede desde dentro da minha casa, o que representa o olhar externo?? Nada!!!
Não me abstive de ajudar a senhora. 
Quando precisava ir ao banheiro, quando queria água, quando chamava as enfermeiras... na sexta ela sequer respondeu as minhas ofertas de ajuda. No sábado por um tempo, recusava todas. E ela era a mais necessitada, reclamava muito de dor e de fato não me lembro dela ter tido um momento de gratidão, exceto quando recebeu a visita de uma rapaz a quem ela demonstrou amar muito.
No sábado à noite, sua dor era imensa, ela só gemia e pedia auxilio.Fui diversas vezes chamar os enfermeiros, a amparei em todos os momentos que precisou levantar, ou o que quer que necessitasse fazer.
Nesse ponto da leitura, você pode se perguntar o motivo de eu ajudar alguém que nitidamente me desprezava. Alguns vão achar que sou idiota ( talvez tenham razão...), outros que eu quero aparecer e por isso estou contando... concluam por si.
No domingo de manhã, ela sentia menos dor, me solicitou quando precisou, me ofereceu sua salada do almoço, e quando fui embora e me despedi dela, ela me abraçou, me beijou e me disse o quão grata ficara com minha disponibilidade, e que ela esperava que mesmo sem a boa vontade alheia (creio que falava de si) eu nunca deixasse de ser como era.
E foi exatamente por isso, caro leitor, que eu insisti em ajuda-la!
Se passo por essa vida e não faço nada pelo outro, não sou um ser humano. Se julgo as realidades que não conheço, faço exatamente aquilo que me fere todos os dia. E me torno igual em falta de humanidade. Se passo pela vida sem deixar um traço de amor, não preciso viver. Pois se sou oca, não faço diferença para o mundo.
E podemos ser mais que isso! Devemos ser mais que isso! 
Não são questões religiosas, mas sim morais, são questões humanas. 
Eu podia ser menos, mas escolhi ser mais.
Eu, mulher, gorda, periférica, tatuada, desempregada, decidi deixar amor e respeito por onde passo!
Esse é o meu traço, indelével, pelo mundo.

Beijos azuis.

Em tempo:
É preciso agradecer à toda a equipe de funcionários do Hospital do Ipiranga, saúde publica de melhor  qualidade! Que vocês resistam, que sobrevivam a esse momento de crise e golpe. Obrigada por existirem!
É preciso agradecer às minhas parceiras voluntárias linda de viver: Bia Donato, Dani Luiz, Leticia Dias, elas me mandaram mensagens de apoio, amor e preocupação sobre o bem estar de mamãe. Às vezes a gente quer saber que alguém se importa, e vocês foram minha grate surpresa desses dias, Obrigada!!
Às amigas queridas que me acompanham sempre e estavam ali, se eu precisasse, Keila, Thais, Renata, Regis e Andressa.
Sempre, à Rita Iabrudi, que não me deixou sozinha nem por um segundo, mesmo estando há muitos km de distância; não tenho palavras pra agradecer sua percepção da minha sensibilidade nesses dias, e por fazer as perguntas que eu tanto precisava responder.


Escrito por Mariah Alcântara
Publicado originalmente no Blog Flor do dia: Coletivo do Bonde
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