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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

ACORDA, NEGA! por Cris Couto

EU SEI QUE VOCÊ ME AMA

Após alguns revezes, percebo que o mês de agosto tem se acostumado a me receber em silêncio. Cada vez mais, tenho guardado esses dias para pensar nas formas que o amor se faz presente em minha vida.

O amor de mãe é o meu ápice. Ela amou meu pai à beira do infinito e da loucura. A separação de corpos preservou pouco tempo sua existência e a maior parte de sua essência. Quando decidiu morar com os filhos, amor foi sinônimo de sacrifício. Frente aos filhos e para os filhos, sempre foi a nossa leoa. Em seu quarto, sozinha, ensopava os lençóis de lágrimas. Já tinha passado por muitas tormentas e sua herança perene e valiosa são seus desejos que ressoam na gente.

Madrugada insólita e insana. Eu já estava pronta para viajar a trabalho quando ela acordou, me abraçou, chorou e pediu perdão. Não havia o que perdoar, todos foram gestos de seu infinito amor por mim e por meu filho. Sentiu a dor no peito, mas não entregou. Fez que me ouvia e lançou, pela última vez, o olhar mais doce que conheço nesse mundo. Até hoje, ando meio sem chão.

Dos parceiros que tive, carinho e aconchego eram o nosso “em comum”.  Mergulhei em paixões quentes e dispensei enlaces mornos. Os avassaladores me deixaram em frangalhos. Os sinceros são parte de quem sou, parte de minha história.

Na busca de amizades sinceras, tropecei em relações utilitaristas. Sina: foram várias e estavam em todos os lugares por onde passei. Quando eu não servia mais ou quando outra pessoa servia mais do que eu, começava a perceber que o grande engano era a minha crença no amor amigo, de bem comum, sem vantagem ou interesse particular.

Depois de duras quedas, amar sempre fica só para as fortes.

Da psicanálise aprendi que essa história é toda avessa. Quando amo, em verdade, quero o amor do outro para mim. Torno-me gestos e palavras que agradam o outro, que atraem seu olhar e seu afeto para o que eu sou. É isso que quero dele, o seu amor. Eu preciso de seu amor, de seu olhar e de seu afeto para existir enquanto ser humano e ser amado.  Nessa hora, os enamorados procuram sempre ser e estar no desejo de quem se ama.

E quando sou apenas o que sou e encontro alguém que me ama por isso? E aí fomos surpreendidas!!! Eu não preciso caçar e criar modos e maneiras para ser o objeto de desejo do outro, para ter seu olhar voltado para mim. É o seu olhar que procura a mim, que me aceita e me quer do jeito tosco que sou. Reconhecer-se como um ser que é amado é sentimento para poucos, a grande sacada e a grande surpresa.

Eu já disse muitas vezes “eu te amo”. Contudo, poucas pessoas escutaram o meu mais sincero “eu sei que você me ama”. Para essas pessoas, minha existência é gratidão. Para mim, perceber isso é sentimento raro e indizível.



Cris Couto, 17/08/2016

Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora.
Publico no blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feiras
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https://www.facebook.com/criscouto1010/

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