A cada passo, o abismo me espreita. Já o conheço de outras
temporadas.
Tudo vai ficando mais preto-e-branco a cada minuto. Eu sei
que o tempo se esvai. E se tento segurar, seja como for, ele parece correr
ainda mais rápido.
Sinto tontura e sangue na boca a cada passo. Ao longe, uma
mulher grita no hospital. E o cheiro... ah, meu Deus, o cheiro que me deixa
nauseada a alma. Não está claro nem escuro, tudo é meia luz. Quando eu soube
que o problema era no pulmão dessa vez, lembro que algo dentro de mim gritou:
Pulmão não, por favor, pulmão não... Na memória a mulher que sufocava sem
respirar. Você não precisa ser invadido pela mesma memória. Eu ouso sorrir,
como se não fosse nada. Eu sou a que abraça, acolhe, e faz um cafuné. Eu sou a
que diz que no final vai ficar tudo bem. E eu acredito em cada palavra do que
digo. Pode olhar nos meus olhos. Não haverá nem meia dúvida.
Mas então o dia vira. Eu já enxergo os primeiros raios de
Sol. E então eu me despeço por agora, e de longe ainda vejo seu sorriso, e você
se esforça pra me jogar um beijo de longe. Eu te jogo um beijo também, e
caminho segura e firme até o elevador. Quase contente. Eu espero que as portas
do elevador se fechem.
Eu finalmente estou de volta ao lado de lá. Onde você não me
vê. Onde eu posso derramar todas as lágrimas que fiquei guardando, onde eu
posso ter vontade de gritar. Eu sufoco o rosto no travesseiro e grito, grito,
grito... tenho tantas coisas pra dar conta.
Tento me represar, ao menos por mais um dia. Conter a
avalanche, que se eu não puder segurar, facilmente me soterrará. Não posso,
agora não posso. Se eu olhar para o abismo, ele olhará dentro de mim. E me
desvendará. E me engolirá. Estarei devorada e despedaçada então.
A cada dia eu digo: Só tenho que ficar de pé mais esse dia.
Amanhã eu me deixo cair. E então amanhece. E eu digo tudo de novo.
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