VALEU A TROCA?
Seven
Pouds conta a história de Ben Thomas (Will Smith), um homem sucedido que comete
um acidente de carro por imprudência: estava lendo e escrevendo mensagens de
texto no celular enquanto dirigia. Seu carro chocou-se com uma van e sete
pessoas morreram nesta tragédia, inclusive sua noiva. Ben é absolvido pela
justiça, mas não por sua consciência. Sua saída para dar fim à pesada culpa que
carregava e redimir-se do erro foi suicidar-se por meio da doação de seus
órgãos para sete pessoas que considerou como merecedoras deste gesto.
Imperdível.
Seven
Pounds estreiou em 2008, mas só assisti esse filme agora. Identificação. A
saída redentora de Ben Thomas pode reaparecer com diferentes nuances na vida, Acredito que, ao ver esse filme, eu tenha encontrado um ponto de basta.
Minha mãe me avisou que estava com
problema cardíaco no início de 2012. A vida e a família não aliviavam para ela:
seu sacrifício era explícito. Pouco antes de morrer, voltou às atividades da
igreja. Suas amigas diziam que ela só tinha reaparecido para se fazer lembrada
e, por fim, se despedir.
Minha separação turbulenta precedeu
seu ataque cardíaco. Foi uma confusão danada e ela não conseguia não se
envolver e nem deixar de ser envolvida. Na manhã de sua morte, nós duas conversávamos
na cozinha enquanto eu tomava café. Era bem cedo e eu viajaria a trabalho. Não
fui e, três meses depois voltei de vez.
Assim
que cheguei, de pronto assumi parte dos cuidados com a família: amores que implodiram
um coração materno em todos os sentidos. Passei dois anos secundarizando minhas
escolhas e fui covarde para dar a ver um divórcio já consumado. Detonei minhas
expectativas pessoais, enterrei o que eu tinha de vida e empenhei meu nome e
meu afeto para acobertar um zumbi.
Impossivelmente,
procurava reparar minha falta materna no mundo e achava que poderia encaminhar os
conflitos de família de maneira melhor do que ela fizera. Ingênua, só no meio
da trama que fui me dando conta de que tudo era coisa demais. Ledo engado e
importantes lições: as pessoas não mudam e eu não sou a minha mãe.
Exatamente hoje, 31/08/2016, faz dois
anos que internei meu pai para transplantar seu fígado cirrótico. Essa jornada durou
dois anos (2012-2014) intensos de co-internação e um ano a mais para meu
desmame (sim, a gente vicia em sofrimento!).
Penso
que fui movida por uma culpa mórbida, acreditando que, ao abdicar de me fazer ser,
eu poderia compensar a dor da morte da mulher que foi meu norte durante a
primeira parte de minha vida. Essa ilógica não retrocedeu o tempo nem trouxe
minha mãe de volta e, após quatro anos de seu falecimento, ainda arrasto o
pezinho nesse luto que por vezes chora e, em outras, sangra.
A
queda foi dura e fiquei estilhaçada. Só de escrever isso, renovo o sentimento
que garantiu minha entrada em análise: a garganta trava e sangra toda vez que
tento engolir meus cacos. Já agonizei noites certa de que não precisaria de outra
manhã. Sinto que perdi a bússola e não sou a sombra do que já fui.
Para
romper com a dor, deixei de cultivar zumbi e passei um valioso tempo procurando
minha imagem nos espelhos que me refletiram algum dia. Hoje, escuto mais e falo
menos. Um banzo perene invade meus meses de agosto. Nessa época, faço o balanço
das minhas tentativas constantes de reelaborar versões de mim mesma. Ainda
falta, mas cada vez menos.
Cris Couto,
31/08/2016
Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora.
Publico no blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feiras
Gostou? Leia outros textos meus em:
https://www.facebook.com/criscouto1010/
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