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terça-feira, 6 de setembro de 2016

O direito à desistência

“Estátuas e cofres e paredes pintadas ninguém sabe o que aconteceu...
Ela se jogou da janela do quinto andar, nada fácil de entender...
Dorme agora... é só o vento lá fora...”
Um dia dessa semana meu pai me olhou e disse: “Você precisa entender, eu estou desistindo...”
Algumas vezes, o cansaço toma conta. Atire a primeira pedra quem nunca, nem mesmo por um instante, pensou em como seria bom deitar pra dormir e nunca mais acordar. Eu já pensei. Porque as vezes tudo é cansaço. Nesses momentos, dedos apontados nos dizem muito pouco. A culpa não ficará maior, ela já é imensa. Sabemos que temos pessoas que dependem de nós e não precisamos ser lembrados disso. Sabemos que a vida pode ser linda algumas outras tantas vezes.
O mundo se reduz. Tem dias que dói. E quando dói, a vontade é apenas fazer a dor parar. Talvez não seja o desejo tão consciente de atentar contra a própria vida. Mas apenas fazer parar. Fazer parar o monte de responsabilidade que sufoca a vida. Fazer parar a dor que aperta dia e noite, e grita e atordoa. As vezes o desejo da morte é apenas um desejo momentâneo de que o corpo silencie. De que os pensamentos parem de gritar enlouquecidos. De que a doença não agrida. De que a solidão não esteja corroendo por dentro.
Se você tem alguém querido te dizendo que está desistindo, entenda: Isso não é sobre você. Não é nada que você tenha feito, ou deixado de fazer. O outro tem suas próprias questões. Todos tem o direito de estar cansados. Redobrar o acolhimento é importante. Não minimize a dor do outro, mas procure entender. Calçar os sapatos do outro e andar alguns quilômetros. A dor que corrói a alma dele merece ser legitimada. Precisa ser reconhecida. Quando meu pai ficou muito doente, os enfermeiros diziam que ele estava ótimo. E ele, no auge do mau humor que só a dor é capaz de oferecer, algumas vezes respondia sussurrando: “Não estou ótimo, estou morrendo... e vocês fingindo que não tá acontecendo nada”.

Muitas vezes, estamos impotentes diante da dor alheia. A aflição de não ter o que fazer nos exaspera. Mas tenho aprendido que as vezes quando não se sabe o que dizer, fazer silêncio acompanhado de um abraço apertado, e até algumas lágrimas compartilhadas podem aliviar. A nós e aos outros. A gente não precisa estar bem 100% do tempo. Existe cansaço, tristeza, desespero, aflição. E a gente tem o direito de experimentar, vivenciar... Atravessar e sair do outro lado, percebendo que amanhece. Sempre amanhece. Seja como for. 

3 comentários:

  1. São tantas as vezes em que penso que não acordar seria maravilhoso que nem cabe nesse espaço.
    Também não cabem palavras pra dizer o quanto te amo. Meu abraço e meu amor são seus, pra sempre.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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