Translate

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Carta à uma amiga

Querida amiga
Tenho sentido o tempo todo, bem forte, suas orações, seu carinho, sua acolhida todo o tempo a me amparar, mesmo diante de tanta distância física. Aqui as coisas foram vertiginosas. Na segunda passada, eu havia decidido que ia tirar uma licença, pois emocionalmente não estava mais dando conta do recado de despedir-me do meu pai e trabalhar ao mesmo tempo. Duas horas depois do meu pedido de licença ser aprovado, meu pai não estava mais nesse mundo. Chegou uma agente funerária, (ou agente familiar, como ela preferia) muito competente, e cuidou de tudo. Perguntou o que e como queríamos, repetiu mil vezes que em nenhum momento ficaríamos sozinhos... e de repente já era o velório do meu pai. Fui chegando lá e encontrando uma colega de trabalho na porta, e foi muito aconchegante receber um abraço tão carinhoso antes de ver meu pai no caixão. Quando estamos de luto, muitos gestos que antes passariam despercebidos enchem-se de importância. Entendi que aquela história de “não vou no velório porque prefiro guardar a imagem dele vivo”, que eu sempre acreditei, pode ser bem egoísta. A pessoa que morreu, morreu. Os que estão no velório estão ali pra abraçar quem ficou vivo e dizer: Escuta, eu nunca vou dar conta de substituir a pessoa que você amava, mas eu tô aqui pra você e você não tá sozinha”. Minha tia irmã da minha mãe até me disse isso com todas as letras: Sei que vocês tem companheiros e companheiras maravilhosos, mas se qualquer dia precisarem de abraço de MÃE, podem chamar que eu venho correndo. Achei aquilo tão amoroso, que chorei muito depois, porque sei que ela tava falando com todo o coração.
De vários jeitos diferentes, é isso que cada abraço diz. É isso que suas mensagens me disseram. É isso que cada olhar carinhoso reflete. Meu pai escolheu ser cremado, eu imaginava ver o caixão pegando fogo, mas não tem nada disso. Nos despedimos dele com três músicas lindas, cantadas pela nossa amiga Rosana. A primeira música foi “Que será será”, a segunda Voa coração, do Toquinho (acho que o nome da música é Ao que vai chegar, nunca mais vou escutar essa música sem lembrar do meu pai). E a terceira era um pai nosso, e o refrão era: “Eu quase me esqueci que o seu amor vela por mim”. Depois dessas três musicas, o caixão foi baixado para a cremação e fomos todos embora.
Chegar em casa. Quando eu chegava em casa, eu o via sentadinho no sofá, com as perninhas estendidas em um pufe. E eu perguntava como tinha sido o dia dele, e nós conversávamos um pouquinho e víamos o noticiário, e comentávamos sobre a bagunça que tá acontecendo no Brasil, sabe. E era um choque chegar e ver aquele sofá vazio, mesmo que já houvesse um mês que ele estava internado e portanto já há muito a rotina tivesse sido quebrada. Porque no ultimo mês não deu tempo de sentir falta dele no sofá, eu chegava correndo pra tomar banho, colocar água e comida pros gatos e correr pra passar a noite no hospital. Ou então capotava muito cedo porque estava exausta.
Essa semana eu parei. E então a minha noiva trocou a posição dos móveis, para que eu visse uma paisagem diferente quando chegasse em casa e não caísse no desespero a cada vez. (Ela que não me largou nem mesmo por um segundo, esteve segurando na minha mão o tempo todo e declarando amor todos os dias). Minha amiga fez coxinha de batata doce, já experimentou? E me trouxe. A coxinha tinha gosto de aconchego, sabe. Aliás, minhas melhores amigas não me deixaram sozinha. O dia todo recebo mensagens de “como você está?” “como se sente”? quer que eu vá dormir contigo?
Ontem, sem querer, eu dei uma festa em casa. Sim, explico o sem querer. Meu irmão disse que ia passar aqui com a minha cunhada pra me ajudar a separar as roupas para doação. Daí outras dias amigas me ligaram dizendo que viriam. Daí as melhores amigas também mandaram mensagem dizendo: Podemos ir aí? A gente leva um lanchinho da tarde. E quando eu vi, a casa estava cheia de gente, compartilhando memórias, histórias, me ajudando a carregar caixas e separar coisas, me dando coragem pra jogar no lixo o que não tinha motivo pra ser guardado, ouvindo minhas histórias... Era como estar mergulhada num grande abraço coletivo.
Terça-feira volto à vida normal. E então é que as ausências se farão sentir com força. Minhas amigas sabem disso e estão de prontidão. E sabe? É ótimo ter certeza desse carinho, desse aconchego, é ótimo saber que a gente merece tanto amor, ou que mesmo que não mereça ele existe assim mesmo.  

Estou me permitindo mergulhar no maior sentimento que tenho nesse momento: gratidão. A todos, por tudo. Cada pessoa, cada gesto... Obrigada! 

Um comentário: