Translate

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Despedida

Hoje estou velando meu pai...
A maioria das pessoas tem a mãe como principal referência afetiva de amor incondicional, como modelo de afeto. Pra mim sempre foi meu pai. Com sorriso largo e olhar doce, era ele quem me colocava na cama a noite. E cantava pra eu dormir. Até cansar. E quando, depois de passado todo o repertório, eu ainda estava acordada, ele me fazia carinho nas costas e dizia "agora vamos dormir senão o lobo mau vai comer todos os nossos filhotinhos de chuchu que moram no quintal."
A gente plantava chuchu no quintal, sei lá por quê.
Ele tocava violão pra mim. Ele me fez um caleidoscópio. E uma cadeirinha de balanço, e uma balança de verdade pra eu brincar. Ele não saía pra quitanda do final da rua sem me levar junto.
No meu aniversário de nove anos, ele me deu um porquinho-da-india. E fez o viveiro do bichinho, e a gente ia no terreno baldio atrás de casa pegar capim pro bichinho comer, que meu pai achava que ele não podia comer só ração.
Quando minha mãe estava morrendo, ele se abateu e eu voltei a morar com ele. Eu queria cuidar dele. Mas ao invés disso, ele cuidou muito mais de mim. Eu resolvi tirar carta e ele me levava para a escola todos os dias, até sentir confiança que eu podia mesmo ir sozinha. Ele ia e voltava, ia e voltava comigo da escola.
Ele viu todas as minhas peças de teatro. Ele viu as peças de teatro dos meus amigos, a cada estréia. A gente levava meu filho pra ver cinema infantil e ele se encantava com os desenhos. Ele sempre esteve comigo.
E agora... ele não vai voltar. Na casa vazia onde tudo tem a presença dele, eu olho cada canto, cada artesanato que ele construiu, o violão dele calado há tempos.

É a minha vez de ter o sorriso terno. É a minha vez de cantar pra ele dormir. É a minha vez de contar historinha pro meu filho. É a minha vez de experimentar, como eu disse bem juntinho dele, que o amor vive pra sempre na alma de quem a gente amou. Ele é a pessoa que mais me amou nessa vida. E eu o amarei pra sempre.

Um comentário:

  1. A gente cresce e os papéis se invertem. Amor em família é belo por ter, no cuidado e no apoio, inversão proporcional aos anos que passamos juntos. Papai nasceu em um bom lugar.

    ResponderExcluir