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quarta-feira, 1 de junho de 2016

ACORDA, NEGA! por Cris Couto


A HISTÓRIA DA CACATUA     


Não é legal comprar animais silvestres, mas muitas pessoas acabam tendo um porque os acham legais. Uma amiga minha já teve um jabuti... o pobre morreu atropelado quando ela foi tirar o carro da garagem.
Um outro amigo teve uma maritaca. Essa foi trazida de contrabando para ele. Imagino os horrores que a bichinha deva ter sofrido engaiolada na boleia de caminhões até chegar à casa de seu novo dono. Ele a deixava engaiolada durante o dia e, quando chegava do trabalho, a soltava um pouco dentro de casa. Claro que ela tentava fugir pela janela e, na segunda vez, escapou e ficou enganchada no galho da árvore do vizinho. Seu dono arranjou uma escada alta e regatou o pássaro. Naquela noite a maritaca teve a pena das asas cortadas.  A alegria do dono e a tristeza da bichinha cresciam de maneira inversamente proporcional. Já sem canto, imagino que ela esperava ansiosa o dia em que suas penas iriam crescer de novo. No dia agendado para a segunda poda das asas, ela conseguiu fugir para nunca mais voltar.
Eu tive uma cacatua. É um pássaro da família dos papagaios que possui uma crista de penas que levanta e abaixa de acordo com seu humor. Os pés da cacatua são ágeis e ajudam a ave a ficar trepada em galhos e árvores. Pode ser uma ave dócil e brincalhona, que aprende com facilidade a falar, cantar, abrir trincos e pegar pequenos objetos. Uma espécie de papagaio mais chique, em cores claras.
No começo tudo era festa... quanto mais atenção a cacatua recebia, mais ela cantava. E quanto mais ela cantava, mais atenção recebia. Se era assim, então tudo bem.
Quando meu filho nasceu, a primeira a sentir foi a cacatua. Não tinha mais toda a atenção de antes. Para chamar a atenção, a cacatua cantava cada vez mais alto. Às vezes todos a admiravam e cantavam junto. Outras vezes, por mais bonito que fosse, incomodava. 
Infeliz, a cacatua percebia a janela e tentava fugir. Fez isso algumas vezes. Algumas vezes ela tentava voltar e eu a ajudava a entrar pela janela. Outras vezes, eu a encontrava lá fora e a trazia de volta. Ela já estava cansada de esganar sua voz e não ter a atenção que um dia tivera e eu já estava cansada de buscá-la todas as vezes que fugia pela janela.
Um dia ela bicou minha mão e fugiu. Dessa vez eu a deixei ir e fechei a janela. Decididamente, os pássaros não nasceram para isso.
Cris Couto, 20/04/2015.

Crédito de imagem:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/61/Cacatua_galerita_-perching_on_branch_-crest-8a-2c.jpg/1024px-Cacatua_galerita_-perching_on_branch_-crest-8a-2c.jpg

Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora. 
Publico no blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feira
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