E então fazia
um tempão que eu queria falar de você e de nós. Mas as coisas andam tão
tumultuadas! E não tinha como não falar sobre a cultura do estupro. E não tinha
como não falar da homofobia que mata gente todos os dias. E penso o quanto o
nosso amor tá entranhado em uma série de outras questões que passam longe de
amor.
Mas eu queria
dizer. Eu queria contar que não tem príncipe que veio me acordar com um beijo
pra ser feliz pra sempre. Mas isso é de verdade. E tem momentos em que eu quero
que você desapareça. Mas na maior parte das vezes agradeço tanto a sua existência...
E eu sempre me pergunto se não é assim com todo mundo, e se por acaso as outras
pessoas aprenderam a editar melhor a própria vida pra parecer que tudo é sempre
comercial de margarina. Convivência pode ser foda, às vezes. A gente tem que
equilibrar o desejo de silêncio e solidão com esse outro desejo, o de estar
junto, o de não largar nunca mais, e saber que o outro também vai ter
correspondente desejo das mesmas coisas, e que nossos tempos nem sempre vão
bater, e as vezes não teremos o mesmo
desejo de forma simultânea. Porque o outro não é uma parte da gente, ele só
consegue ser ele mesmo, e não existe para corresponder as nossas expectativas.
E isso parece tão óbvio, mas nunca é. A gente idealiza. A gente pensa que seria
perfeito se a pessoa só existisse pra nos satisfazer, mas no fundo a gente sabe
que se fosse assim perderíamos o interesse em uma semana, porque o lado desafiador
e diferente que faz o outro ser ele mesmo, no fundo é disso que gostamos mais.
No fundo a
gente não quer estar sempre certa. No fundo a gente não quer que só existam as
nossas vontades. No fundo o amor comporta uma porção de embates que nos lembram
de quem somos. Que ajudam o outro a se lembrar de quem é. Eventualmente, no
amor, a gente se enxerga no outro como espelho, a gente brinca de sombra e se
irrita com o que faz e com o que vê.
Amor, amor
mesmo, é sempre muito mais complexo do que todas as idealizações que se
escrevem sobre ele. Nosso amor é do tamanho que a gente é capaz de ser. Por
vezes um mundo de luz e sombra. Por vezes pode ter a calmaria de um domingo de
frio, debaixo das cobertas. Apenas. Nós nos olhamos nos olhos e reconhecemos no
olhar do outro aquele que existe. Aquele que não só existe, como nos vê.
Permite que a gente exista.
E sempre existem
aqueles dias quando o sorriso nos alimenta. A gente procura por ele, e a gente
sente que pode ser feliz uma vida toda porque aquele sorriso está lá, e aquele
sorriso brilhante dá sentido a um universo de coisas que vivemos diariamente, e
nos sentimos muito maiores e mais capazes. Por apenas um sorriso. Desse jeito.
O que tem que ser tem força.
E se sua forma de amar não se parece nem um pouco com essa... tudo bem. O amor tem a cara dos amantes.
Incrível a trazer essa reflexao das varias formas de amar. "O amor tem a cara dos amantes". Lindo texto.
ResponderExcluirRealmente, se não fosse o enigma, o diferente e o desejo já não seria amor. Lindo texto!
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