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terça-feira, 7 de junho de 2016

Não viver

Uma vez me perguntaram qual era meu grande medo. Respondi: Não viver.
Me responderam: "É verdade, morrer deve ser aterrador".
Corrigi: Não falo de morrer. Falo de não morrer. E não viver.
Como um grande limbo.
Sabe aquela coisa de "a gente se acostuma a não abrir a janela porque a paisagem não é bonita?"
Pois é. A quanta não-vida a gente é capaz de se acostumar?
Vi um filme certa vez onde as pessoas fugiam da escuridão. A escuridão as alcançava, invadia o lado de dentro delas e de repente elas desapareciam do nada. E a ultima coisa que diziam, antes de desaparecer, era: "Eu existo".
Assisti um outro filme. Uma moça tinha sofrido um acidente e estava em dúvida se estava viva ou morta, enquanto era preparada para o seu funeral. Diante de indecisão, o homem que prepara o corpo propõe que, se ela estava viva, então que fugisse, fosse embora. Ela tem medo e não vai. E ele diz: "Eu sabia. Você não tem medo de morrer. Tem medo mesmo é de viver".
Era algo assim. Não exatamente. Mas deu pra entender a ideia, né?
Não basta estar respirando. Não basta ser de alguma forma produtivo. Queremos mais. Nós, os curingas desse jogo, seres humanos, os únicos na natureza, segundo alguns, capazes de ter consciência da própria individualidade, capazes de tomar decisões que tornem nossas vidas medíocres ou talvez menos, ou em muitos instantes fazer dela a experiência mais extraordinária de todas, capaz de encher de inveja todo o resto do universo quando a gente vive aqueles momentos felizes de amor.
Você sabe, aqueles momentos intensos onde você pensa: "eu poderia morrer nesse exato instante, e então eu pensaria que minha vida foi uma fagulha que realmente valeu a pena, uma aventura incrível que fez sentido, finalmente".
Esse instante passa. E voltamos a ter medo de nada disso fazer sentido, de nada disso ter importância, de sermos uma peça de uma engrenagem para quem nossa existência ou desistência não faz a menor diferença.


"Viver ou morrer é o de menos
a vida inteira pode ser qualquer momento
ser feliz ou não: questão de talento

leve a semente vai
onde o vento leva
gente pesa
por mais que invente
só vai onde pisa (Alice Ruiz)

Qual seu momento hoje?

Um comentário:

  1. Das fagulhas: quando mais jovem, sempre gostava de sair das festas quando elas estavam no auge, com todos alegres. Eu olhava bem para a casa, sala, salão e saia feliz. Levava comigo a imagem do melhor momento. Lindo texto, flor!

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