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quarta-feira, 15 de junho de 2016

ACORDA, NEGA! por Cris Couto



Guiando a vida

“Consegui me equilíbrio cortejando a insanidade” (Renato Russo)

Um momento marcante de minha vida foi quando decidi tirar minha carta de moto. Entrei na autoescola decidida, precisava fazer aquilo. Naquele tempo, eu estava sem propósito, sem carro e aprender a pilotar uma moto parecia uma boa. Para minha amiga, essa foi uma forma de eu voltar a guiar minha própria vida. Eu nunca tinha pilotado uma moto antes.
Meu pai tinha uma moto e minha recordação de infância era ter queimado minha perna no escapamento quando sua moto caiu em cima de mim. E ainda apanhei por causa disso! De garupa, lembro de dois momentos marcantes. No primeiro, fui para um sítio, no sul de Minas Gerais:  viagem tranquila, cansativa e pernas em câimbras. No segundo, era noite na Serra do Mar e eu estava montada na moto prateada de Fernando. A velocidade da moto, a beleza da serra e os longos cabelos de Fernando deram o charme da aventura daquela noite.
Meu professor era um outro Fernando e isso foi o prenúncio de um bom começo! Outra coisa boa era curtir as manhãs no Parque do Ibirapuera. Isso fazia bem para a minha alma, pois já fazia um bom tempo que eu não fazia nada para deixá-la feliz e tranquila.
Minha vontade de correr era dosada por Fernando com sabedoria. Na maioria das vezes, eu andava círculos e padecia nas pistas de treinamento. Uma vez consegui acelerar um pouco mais no percurso inicial, entre as vagas do estacionamento e foi o máximo! Logo, Fernando chamou minha atenção: era preciso ter calma para dominar o funcionamento da máquina.
Aprendi que andar de moto é uma simbiose. O equilíbrio está no corpo, o balanço das curvas na cintura e quanto mais colada na moto, mais era possível ter precisão nas manobras. Mente ligada e olhos atentos. Uma das melhores terapias que fiz: em quanta vida eu pensava sentada no banco daquela motoca!
Ao aprender andar de moto, me dei a chance de lidar com o medo, a emoção e o desconhecido. Corajosa por colocar à mostra minha pele sem carcaça de proteção. Chegar ao fim do percurso, onde tantos também treinavam e queriam chegar bem. Ser julgada e reconhecida pelos mais experientes como capaz de guiar a própria moto em qualquer estrada.
Guiar a vida? Bom, esse é um outro treino que sigo, bem mais intenso. Agora, pelo menos, já sei que é preciso ter muita coragem para enfrentar o desconhecido e encontrar as emoções que marcam todo o percurso.
Hoje, ando de moto com minha namorada. Em nossas aventuras, me impressiono com a segurança que sinto quando ela nos guia. Não piloto e ainda não tenho a minha moto. Ainda falta, mas agora, cada vez menos.

Cris Couto, 13/06/2016.


 Sou Cris Couto: mulher, negra mãe e escritora. 
Publico no blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feiras
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