Anjos da noite
Lia
tinha nove anos, era muito alegre e brincalhona. Adorava passar dias na casa de
sua avó Joana. Finalmente, as férias chegaram e Lia estava na casa da avó.
Gostavam
de tudo que faziam juntas: plantar flores, brincar com as gatas, correr com
cachorros e ouvir histórias. Todas as noites, antes de dormir, vó Joana sempre
tinha uma história de suas peraltices de infância para contar antes do boa noite:
colher frutas, pular no lago, fugir de cachorros, comer bolo escondido.
Os
primeiros dias das férias seguiram tranquilos. Na terceira noite, algo
diferente aconteceu. Lia já dormia gostoso quando percebeu um barulhinho ao
longe. Abriu os olhos. Aquele barulhinho era um choro baixinho de criança. E
tinha outra criança além dela naquela casa?
Num
pulo, levantou da cama. Colocou seus chinelos e abriu a porta. A casa da avó
era um sobrado e os quartos ficavam na parte superior. A porta do seu quarto
era de frente para a escada e, ao seu final, estava a sala. Foi até a beira da
escada e coçou os olhos para enxergar direito. Sim, havia uma criança caída lá
em baixo, chorando.
A
menina desceu as escadas e se aproximou. De perto, ela viu direito: era um
menino, um menino-anjo, que sofria com a asa quebrada. Lia viu as lágrimas e
pôs a mão em seu rosto.
-
Como posso te ajudar?
-
Me leva de volta pro céu.
O
medo sem fim que tomou conta de Lia foi apaziguado pela mão do anjo. Naquele
momento, asas rasgaram sua roupa de dormir. Ela estava segura quando colocou o
anjinho em seus braços e voou pela sala, saindo pela grande janela aberta.
Chegando
no céu, Lia deitou o anjo em uma nuvem macia. Outros anjos apareceram: eram
adultos e crianças com asas. Eles ficaram em volta do pequeno que ainda chorava
e impuseram as mãos sobre a asinha quebrada. Aos poucos, as penas ficaram
alinhadas e bem presas às costas do menino. Suas lágrimas cessaram.
O
menino anjo ficou de pé e balançou a asa. Sem medo, deu um pulo e logo bateu
suas asas em um lindo voo. Aterrissou ao lado de Lia para agradecer.
Ela
estava feliz por ter ajudado, mas como voltar para sua vida de asas nas costas?
Escutou do vento:
-
Você pode voltar, mas sem as asas.
Lia
aceitou o acordo, tirou suas asas e as deixou, cuidadosamente, a sua frente
sobre uma nuvem. Logo, a nuvem guardou aquelas delicadas plumas em seu
infinito.
O
anjo curado carregou Lia de volta para a casa da avó. Só naquela hora ela se
deu conta de como a noite estava bonita e o céu tão estrelado. Na sala, o
anjinho colocou Lia no chão e lanço- lhe um olhar terno de gratidão. Ainda em
silencio suave, voou pela janela em um rasante lindo rumo ao sol. Já amanhecia.
Quando
só avistou as nuvens, Lia fechou a janela da sala e subiu as escadas
de volta para seu quarto. Ela sentia a dureza dos degraus sob seus pés. Ao deitar-se na cama, ouvia os latidos dos cachorros.
Durante
o café da manhã, vó Joana ouviu com a serenidade dos idosos a empolgante
história da neta. Seu olhar era longo e amoroso e, a cada pausa de Lia, repetia
baixinho:
-
Crianças sonham, crianças voam, crianças crescem.
Cris Couto, [25/10/2015] 29/06/2016
Sou Cris
Couto: mulher, negra mãe e escritora.
Publico no
blog Flor do Dia: Coletivo do Bonde às quartas-feiras
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